Publicado em 06/09/2022 09:09
O mercado brasileiro de telecom passa por uma desorganização estrutural, avalia presidente da Claro
Para José Félix, três são as principais causas que estão provocando essa desorganização

Para José Félix, três são as principais causas que estão provocando essa desorganização: o equivocado conceito do que é prestador de pequeno porte; a ausência de medidas para preservar os investimentos e tentativa forçada de criar novo competidor na telefonia móvel; e a neutralidade da rede para proteger as OTTs

Um dos maiores investidores brasileiros, a Claro,  avalia que o mercado brasileiro de telecom está enfrentando uma desorganização estrutural, que pode ameaçar a atratividade do negócio e o fôlego dos investidores. E o presidente da empresa, José Félix, aponta para as três principais causas que, em sua avaliação, estão provocando essa desorganização: a falta de fiscalização e erro regulatório que estimulam a atuação das operadoras de telecomunicações informais; a tentativa de forçar o surgimento de um novo operador nacional de telefonia móvel por via regulatória e não de mercado; e a ausência de remuneração das redes de telecomunicações pelos maiores consumidores de sua infraestrutura – as OTTs, como Google, Facebook e gigantes de internet.

Para Félix, não é possível mais as autoridades não enxergarem que o segmento dos provedores regionais de telecomunicações precisa ter uma nova orquestração. ” No Brasil, tem um monte de gente que não é regulada, fazendo o que bem entende”, afirma, em conversa com o Tele.Síntese. E exemplifica: “tem ISP que não manda sequer a nota fiscal para o cliente; que joga fio nos postes de qualquer maneira, ou que não recolhe o imposto devido dos serviços de telecomunicações”.



O presidente da Claro, José Félix, elenca os riscos setoriais.
Crédito-Divulgação: Telesíntese.


Em seu entendimento, um dos responsáveis por essa situação é a definição da Anatel do que devem ser as empresas desreguladas. ” A definição de que as operadoras reguladas  (aquelas definidas como Poder de Mercado Significativo) são as com mais de 5 por cento do mercado nacional é um equívoco. O Brasil é muito grande. Da maneira como está, estão sendo geradas distorções enormes”, afirmou. Para Félix, a definição de empresas com poder de mercado deve ser estabelecida por cidade, onde moram os clientes e onde as operadoras atuam. ” Hoje, o sujeito tem  um monte de assimetrias. Operadora com 90% do mercado de banda larga de uma cidade não é considerada pela Anatel uma empresa com poder de mercado.  É uma terra sem lei”, afirma.

Telefonia Móvel

Uma das preocupações do executivo é de que essa desorganização no segmento de banda larga fixa acabe migrando também para o de telefonia móvel, conforme os sinais emitidos pela Anatel. ” A Oi foi vendida porque quebrou. A Nextel foi vendida porque quebrou. Querer forçar uma barra para criar uma concorrência desleal, vai-se pagar lá na frente, com a falta de profissionalismo de um serviço que é complexo e vai acabar deteriorando a infraestrutura”, vaticina.

E exemplifica as razões de sua preocupação como a recente decisão da Anatel de estabelecer o preço da oferta do roaming para as grandes operadoras, que segundo ele, está, realmente abaixo do custo do serviço. ” Nós vamos cumprir a determinação da Anatel, porque somos regulados. A agência diz que é uma medida temporária, mas temporária até quando?”, indaga.

Em sua avaliação, há ainda o risco de a situação no mercado brasileiro ficar mais grave, caso a Anatel atenda à nova reivindicação dos pequenos prestadores, de deixar que eles façam acordos de roaming com todas as grandes operadoras. ” Se a agência liberar isso, essas empresas vão ter a melhor rede do mundo, sem ter rede nenhuma, pois vão pegar o que há de melhor da Claro, da Vivo, da TIM. Para que vão construir rede?”, indaga. Em sua avaliação, o mais importante é que existam empresas saudáveis, para continuarem a investir em rede e ofertarem os melhores serviços.

Félix aponta que no estudo da empresa sobre o comportamento do mercado brasileiro no próximo ano, já existem demandas de mais de R$ 15 bilhões de investimentos. ” O negócio de telecom consome fácil 15 bilhões de Capex por ano. A gente encontra lugar para colocar dinheiro, sem pensar muito. Mas e as receitas? Temos que fazer o atendimento, cumprir todas as obrigações, com  as despesas crescendo 10% ao ano, e ainda temos que remunerar o capital, em um país com a renda que temos”, pondera.

Ele assinala que a recente decisão da Anatel, de proibir o roaming permanente foi acertada, pois, caso contrário, estaria provocando mais um desestímulo à necessária construção das redes de telecomunicações.  ” No roaming normal, um cliente entra e sai de uma cidade que não tem a cobertura da sua operadora. Isso é o que conhecemos. Outra coisa é o cara sair de casa e acampar na casa do outro a vida inteira a preço de banana. Isso não podia perdurar”, completa.

OTTs

Para José Félix, outra ponta mal resolvida e que está afetando o mercado brasileiro de telecomunicações, refere-se ao grande consumo de rede gerado pelas OTTs (as megacorporações de internet, como Google e Facebook, conhecidas como as que atuam Over The Top – ou no topo das redes de telecom), que obriga as operadoras  a ampliarem cada vez mais a capacidade das suas redes, sem que essas empresas contribuam em nada com os investimentos.  Mas ele acha que a alternativa que está sendo construída na Europa, por exemplo, não é a melhor.  ” Inicialmente pensava que lá as OTTs iriam ajudar na construção da infraestrutura. Mas resolveram criar uma taxa e criar um fundo. Nós sabemos como esses fundos funcionam aqui no Brasil…..”, temendo que o exemplo europeu acabe inspirando as autoridades brasileiras.

No Brasil, o FUST (Fundo pela Universalização das Telecomunicações), criado em 2000, e que arrecada mais de R$ 1 bilhão por ano, nunca teve o dinheiro direcionado para o setor de telecomunicações. Com aprovação de uma nova lei pelo Congresso Nacional, 22 anos depois, essa situação poderá começar a ser revertida a partir do próximo ano, quando se espera a aplicação de uma parcela do dinheiro a ser arrecadado.

Para ele, o ideal seria que fosse alterado o conceito de neutralidade da rede, que ele deixasse de valer para essas megacorporações, mantendo esse princípio para as questões que realmente importam, que são a neutralidade da rede para assegurar o direito à informação, o direito à educação, aos serviços públicos. ” A neutralidade é importante. Mas há atividades que entendemos ser uma mera relação comercial. Por que Google, Whatsapp ou Facebook podem ganhar dinheiro com publicidade, usar a nossa rede, e não pagar nada por isso. Qual a razão dessa “neutralidade?” questiona.

Fonte: https://www.telesintese.com.br
Por: Miriam Aquino Miriam Aquino 5 de setembro de 2022   

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